

Música Kalankó
Os Kalankó (habita o estado brasileiro de Alagoas) possuem dois instrumentos rituais: o maracá e a gaita. O primeiro está diretamente relacionado com a ação dos encantados e é também conhecido como chichiá. Muitas vezes é identificado com a “semente” do encantado. O maracá é feito com a cabaça do coité, uma fruta característica da região, e é um objeto que deve ser zelado por seu “dono”, pois caso contrário, a música pode sair “fraca”.
A gaita é um instrumento de sopro que é fabricado a partir do bambu ou do cano de PVC. A gaita é usada como um apito e estabelece a comunicação entre os dançarinos. Em oposição ao maracá, a gaita não precisa ser zelada e por isso não é fundamental para o contato com os encantados.

Os grupos da região não cantam canções de amor ou de trabalho – suas categorias musicais compreendem músicas cerimoniais, nas quais, por meio do canto, estabelecem o encantado no tempo presente e transformam a realidade. Eles possuem três gêneros musicais, cada qual ligado a um ritual: o toré, o praiá e o serviço de chão.
De acordo com Seeger (1987), esses gêneros, denominados voco-sonoros, formam um sistema inter-relacionado, no qual os diversos gêneros distinguem-se pelo emprego diferencial de características sonoras diversas.
No toré, que é um gênero-chave nesse sistema musical, a voz é o elemento fundamental, e a pisada (a sonoridade consequente do modo como se pisa no chão), o complementar. Um bom cantador de toré é aquele que canta por muito tempo e conhece um bom repertório de cantos baseados numa estrutura “pergunta-resposta”, na qual o cantador canta dois versos, e os participantes respondem com mais dois, além de algumas variações.
O praiá é um canto masculino cujo elemento fundamental é a pisada, e o seu canto pode ser denominado de linha (ou cordão) e de parelha e ambos dependem da repetição de células, baseadas
num jogo de sílabas e vogais, repetidas durante a execução da peça. O padrão de execução identificado é a formação de três células – A, B e C – , que podem ser articuladas nas seguintes formas:
He o ha he
He ha he hoa A
He ho ha he
He ho ha haia
He ho ha he B
He ho ha haia
He ho ha he
He ho ha haia B
He ho ha he
He ho ha hoa
He ho ha he C
He ho ha haia
Alguns cantos têm uma introdução, realizada com as gaitas, flautas produzidas com bambu que possuem três orifícios. Em alguns outros praiás, pode-se ainda observar trechos cantados em português, com base nas letras do toré.
Essa forma de cantar, característica do praiá, é semelhante à de outros grupos indígenas das TBAS, como o dos Xavantes, estudados por Aytay (1985), em cujo canto é bastante comum o uso de “sílabas” aparentemente sem conteúdo lingüístico semântico.
Outro gênero musical das comunidades é o serviço de chão, muitas vezes classificado como uma variação bem próxima do praiá e, geralmente, cantado na abertura e no fechamento de ritos de cura.
Esse canto é feito também pela repetição de estruturas com base num jogo de sílabas e vogais com andamento rápido.
Alexandre Ferraz Herbetta